"Antes de fechar os olhos, resolvi fazer o que ele chamava de “exercício do Outro”.
“Estou aqui neste quarto”, pensei. “Longe de tudo a que estou acostumada, conversando sobre coisas pelas quais nunca me interessei, e dormindo numa cidade onde jamais coloquei os pés.
Posso fingir – por alguns minutos – que sou diferente.”
Comecei a imaginar como gostaria de estar vivendo naquele momento. Eu gostaria de estar alegre, curiosa, feliz. Vivendo intensamente cada instante, bebendo com sede da água da vida. Confiando novamente nos sonhos. Capaz de lutar pelo que queria.
Amando um homem que me amava. Sim, esta era a mulher que eu gostaria de ser – e que de repente aparecia, e se transformava em mim.
Senti que a minha alma se inundava com a luz de um Deus – ou uma Deusa – em quem não acreditava mais. E senti que, naquele momento, a Outra deixava meu corpo, e sentava-se num canto do pequeno quarto.
Eu olhava a mulher que tinha sido até então: fraca, procurando dar a impressão de forte. Com medo de tudo, mas dizendo para si mesma que não era medo – era a sabedoria de quem conhece a realidade. Construindo paredes nas janelas por onde penetrava a alegria do sol – para que seus móveis velhos não ficassem desbotados.
Vi a Outra sentada no canto do quarto – frágil, cansada, desiludida. Controlando e escravizando aquilo que devia estar sempre em liberdade: seus sentimentos. Tentando julgar o amor futuro pelo sofrimento passado" - Paulo Coelho.